Wesley Safadão e a estética da ênfase
Por
Renato
K. Silva,
doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.
Abriram-se os portões e o público veio correndo, desabaladamente, com o intuito de garantir os melhores lugares rente à grade de proteção do palco. Adolescentes com faixas de várias cidades do interior, bonés bordados com as letras “W” e “S”, correspondente a Wesley Safadão. Água gelada, Skol latinha e muito protetor solar para esperar o cantor cearense – o carnaval começava a mil por hora sob uma sensação térmica de 40ºC.
O grupo percussionista Patusco animava o público ao som de clássicos dançantes da música brasileira: Tim Maia, Lulu Santos, Terra Samba… E a multidão foi ao delírio com o sucesso do momento: “As que comandam vão no trá trá trá trá | E acelera aê trátrátrátrátrátrá!”; a massa entrou numa catarse coletiva pois o carnaval apenas dera seus primeiros “tiros”.
No
último dia 6 de fevereiro, sábado de carnaval, trabalhei na
organização do Arena Privilege 2016
–
Galo da Madrugada. O evento contou com as apresentações de: Banda
Patusco, Gabriel Diniz e Wesley Safadão. Cheguei por volta das 8h à
Arena, localizada na Rua Imperial, 532, bem no início do desfile do
Galo. As atrações começariam a partir das 11h. Às 10h, abriram-se
os portões. O sol era inclemente. A “trincheira” que ia do palco
à mesa de som dividia o público na intenção de separar os setores
premium e vip. Do lado esquerdo do palco, a área premium com
ingressos custando R$ 280 –com direito a open bar. E na vip R$ 160
– preços do quinto lote.
O mapa da Arena Privilege |
Comecei
a exercitar meu olhar sociológico pois não há como despir-se de
uma “segunda pele”. Observei primeiramente a onipresença do
xenismo: open
bar, premium, privilege, vip, food truck.
Em seguida, a forte organização do evento: bombeiros civis,
seguranças particulares, pessoal das portarias, policiais à
paisana. A estrutura do espaço: saídas de emergência bem
sinalizadas, praça de alimentação, mesa de som com os cabos
isolados e cobertos ligados diretamente ao palco. Em uma palavra:
profissionalismo em meio ao maior bloco de carnaval do mundo, o Galo.
Abriram-se os portões e o público veio correndo, desabaladamente, com o intuito de garantir os melhores lugares rente à grade de proteção do palco. Adolescentes com faixas de várias cidades do interior, bonés bordados com as letras “W” e “S”, correspondente a Wesley Safadão. Água gelada, Skol latinha e muito protetor solar para esperar o cantor cearense – o carnaval começava a mil por hora sob uma sensação térmica de 40ºC.
O grupo percussionista Patusco animava o público ao som de clássicos dançantes da música brasileira: Tim Maia, Lulu Santos, Terra Samba… E a multidão foi ao delírio com o sucesso do momento: “As que comandam vão no trá trá trá trá | E acelera aê trátrátrátrátrátrá!”; a massa entrou numa catarse coletiva pois o carnaval apenas dera seus primeiros “tiros”.
Após
a exibição de
Patusco surge Gabriel Diniz numa apresentação com
misto
de forró pop, swingueira e passinho. O cantor recebeu o patrocínio
do Rum
Montilla
que, seguramente por questões contratuais vestiu-o, assim como seus
dançarinos, de piratas. Havia defronte ao palco um boneco gigante do
cantor vestido de pirata do Rum
Montilla.
A apresentação de GD,
como é mais conhecido, foi besuntada de pirotecnia: explosões de
confetes e serpentinas, canhões
de fumaça, gelo seco… Muito alarde. A pirotecnia apostava
veemência com o som estrepitoso da banda de GD: baixo, bateria,
guitarra, back vocals, percussão.
Nesse
momento, uma prática interativa entre plateia e GD começou a
multiplicar-se. Algumas fãs lançaram seus smartphones em direção
ao palco com a intenção de que GD tirasse uma selfie mirando à
plateia. Com
isso, a foto ficaria registrada no aparelho da fã. A ação tinha um
interesse bem específico: indexar as imagens da experiência ao vivo
no evento e compartilhá-las nas redes sociais. É um velho desejo
humano: a simultaneidade da experiência. Essa prática também
ocorreu inúmeras vezes durante a apresentação de Wesley Safadão.
No
longo intervalo entre as apresentações de Gabriel Diniz e Wesley
Safadão, constatei que algumas fãs passaram mal devido à sufocante
canícula e eram socorridas pelos bombeiros civis. Iniciei uma
prospecção pelos ambientes da Arena Privilege – área premium,
vip, praça de alimentação – e pude constatar que o público
apreciador do chamado forró pop é policlassista. Mas alguns signos
nivelavam as barreiras de classe: corpos tratados à base de
musculação e com a nítida expectativa de exibi-los publicamente;
smartphones de última geração; roupas e acessórios de grife;
homens com barbas desenhadas à Jesus de gravura; mulheres com escova
nos cabelos e, talvez, o grande ponto de convergência: o consumo
desbragado de álcool.
Como
a área premium tinha direito a open bar e, por conseguinte, o consumo massivo de bebidas fizeram com que os banheiros químicos,
paulatinamente, não conseguissem dar conta da demanda. Muitas
pessoas lavavam os pés com cerveja após voltar dos banheiros. O
chão àquela altura encontrava-se atapetado de um mar de alumínio
amarelo – as latinhas de Skol misturadas ao ácido úrico das
latrinas transbordadas.
Wesley
Safadão ia entrar no palco, muita expectativa. Um grupo de fãs
conseguiu assistir à apresentação numa área muito restrita: o
pequeno espaço entre a grade de proteção e o palco. Esse grupo
registrou, em seus iPhones,
a proximidade com o ídolo e, claro, brindou
o momento com uísque Chevas
Regal
acompanhado de energético Red
Bull.
Nunca
tinha visto uma apresentação de Wesley, sequer ao menos debruçado
com atenção sobre seu repertório. Mas é claro que já conhecia
algumas de suas canções executadas exaustivamente nas rádios FMs e
nos programas de tevê. Dentre
elas, Camarote.
Foi com essa canção que Wesley iniciou seu trabalho no início
daquela tarde. A multidão entrou em êxtase e o alarido foi
uníssono: “Vai, Safadão!” – não tem como dissociar a
conotação sexual desse, digamos assim, grito de incentivo.
Por
falar em Eros,
o repertório de Safadão é prenhe de referências à explosão da
libido que está diretamente relacionada a Thanatos
– amor x morte ou sexo x objetificação do outro. Os temas das
canções versam sobre: autossuficiência em relação ao outro antes
ser “amado”; ciúme; pegação na balada; consumo de álcoois
devastadores [vodca Cîroc]
e sibaritismo desenfreado.
Diferentemente
do axé music dos anos 1990 calcado na performance corporal, e dos
ainda guetificados e estigmatizados funk carioca e tecno-brega
nordestino-paraense, a música de Safadão conseguiu desencadear as
forças de Eros
e Thanatos
porque coadunou duas instâncias: tecnologia e álcool.
A temperatura aumenta ainda mais |
Eminentemente,
o grande público de Safadão é a classe média baixa, os chamados
“batalhadores”, aquela parcela da população brasileira achatada
entre as classes B e D. Esses “batalhadores” empregados
geralmente em postos precarizados, têm renda fixa e consomem. Parte
significativa desse consumo vai para a manutenção do smartphone e
seus sucedâneos – planos de internet. Com o advento das redes
sociais, Eros
entra em cena de maneira menos ritualística. E como boa parte dessa
faixa da população brasileira surgiu do seio de uma família
católica [não praticante] ou protestante [geralmente
neopentecostal], a única droga tolerável é o álcool. Estão,
portanto, alicerçados os dois pilares onde Eros
e Thanatos
fixarão morada na estética de Wesley Safadão: redes sociais e
dissolução pelo álcool. O desrecalque que há na forma e no
conteúdo das canções de Wesley dá-se
por meio da ênfase.
Na
apresentação do dia do Galo, prestei atenção na banda que
acompanhava
Wesley: back vocals [homem e mulher que fazem as vezes de
bailarinos]; percussão; baixo; bateria; guitarra; sanfona e metais.
Depois, em casa, peguei as letras e observei a forma em que são
escritas: a maioria em frases longas, como, por exemplo, em Tim
Tim:
“O
mundo dá voltas e olha eu por cima |
Continuo apaixonado, mas agora pela vida |
Com aquele seu desprezo criei um drink irado |
Mistura de cachaça e desapego |
Tô solteiro e renovado”.
Wesley Safadão no palco da Arena Privilege |
Isto
é, a ênfase da estética de Safadão não está dada apenas no
conteúdo das
letras
– o intempestivo embate entre Eros
e Thanatos
–, como também na forma em que são executadas e na forma como são
construídas – as frases longas tão diferentes
da estética do samba e da chamada MPB: mais sóbrias.
Cada
período histórico do Brasil Republicano escolheu seu tipo de canção
que, não obstante, reflete a emergência do segmento social que em
seguida dirigiu o país: a juventude dos grandes centros urbanos. Foi
assim com o samba de rua do decênio de 1930, no início das eras do
rádio e Vargas; depois com o samba-canção na transição
Vargas-Dutra-Vargas; a bossa nova com JK; a tropicália e a canção
de protesto da Ditadura Militar; o rock nacional da reabertura
democrática dos anos 1980; o sertanejo e o axé music das eras
Collor e FHC, respectivamente, e agora o forró pop com o sertanejo
universitário do lulismo.
As
canções de Safadão refletem os anseios de um segmento da sociedade
brasileira até há pouco tempo tolhido do: consumo conspícuo;
acesso a bens e serviços até então distantes – viagens de avião,
aparelho ortodôntico, carro particular, moto, faculdades, cursos
técnicos profissionalizantes,
emprego de carteira assinada… A estética de Safadão fala aos
ouvidos e toca aos corações de uma população que ufana-se do
Brasil pela via do consumo. O forró pop de Safadão é,
inconscientemente para ele e seu público, a música trilha sonora do
lulismo.
Enquanto
Wesley apresenta suas últimas músicas, pude perceber a multidão
refrescando-se abaixo dos dois canhões de água prostrados em duas
torres no meio da área vip. Rente ao muro que divide o espaço e a
Rua Imperial, os trios elétricos do Galo desfilavam lenta e
calmamente, se comparados ao frisson da Arena Privilege. Enquanto
havia canhões de água para refrescar a plateia da área vip, na
área premium haviam grandes ventiladores de pedestal, daqueles que
aspergem vapor de água.
A
música de Wesley conseguiu galvanizar, policlassisticamente, setores
da sociedade brasileira porque imiscuiu-se por meio de setores não
guetificados, tampouco estigmatizados, de nossa sociedade: não é a
música “oficial” do morro, nem da favela, como o funk, o rap e o
tecno-brega. É uma música que conseguiu penetrar a conservadora
sociedade brasileira porque faz alusão a signos de consumo
legalizados, como, por exemplo, o álcool. Não vi ninguém
consumindo maconha tampouco cocaína durante a apresentação, embora
saibamos que exista o consumo. Mas esse consumo não está tencionado
na fatura das canções de Safadão. Essa falta de Pólis [política]
na estética de Wesley só faz ampliar as explosões de Eros
e Thanatos
numa voluptuosa estética da ênfase.
"A torrente de foliões mais cansados do que felizes" |
A
pergunta que devemos fazer é: por que Wesley Safadão tornou-se o
maior fenômeno da música brasileira nos últimos anos? Tentar
responder essa pergunta é lançar luzes para o entendimento da atual
sociedade brasileira. Devemos sair da postura cômoda, e muitas vezes
elitista, de achar que a indústria cultural trata seu público como
sujeitos destituídos de agenciamento. Certamente há pessoas do seu
convívio social que ouve Wesley e que você não os considera,
seguramente, alienados. Tentar compreender a estética de Safadão é
buscar respostas sobre os caminhos de um projeto político –
lulismo
– irradiado para a esfera do simbólico, a música, que o país
traçou nos últimos anos.
Saí
do Arena Privilege às 17h, na rebarba do Galo. Tomei o metrô e fui
pra casa envolto em meio à torrente de foliões mais cansados do que
felizes.
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